Começo o artigo com um esclarecimento prévio.
Como tenho (muito) pouco tempo livre, leio pouquíssimos blogues. Tenho os meus mentores de educação parental em quem confio plenamente e que escolhi por me rever em toda a linha e não apenas nalguns aspectos – e são ambos estrangeiros. Tampouco sou especialista na matéria, mas leio mesmo muito e vou criando umas ligações aqui na cabeça.
Posto isto, tropecei num artigo que diz psicologia positiva o tanas, que berrar baixo é muito bonito na teoria (e é) e é horrivelmente difícil na prática (e é) e dá a entender que é uma treta inventada para vender livros e quejandos. E nos comentários diziam que era aquilo tal qual e psicologia positiva para as urtigas ou lá perto. E alguém, em clara minoria, comentava que a psicologia positiva era uma de muitas abordagens possíveis (será?) e que todas estavam certas (estarão?) mas que ela, por acaso e em contracorrente com as ideias ali partilhadas, até se dava bem com ela.
Mas há casos em que pura e simplesmente não há alternativa à psicologia positiva. Tem de ser mesmo positiva, ou gentil, ou o que queiram chamar.
E passo a explicar porquê.
As crianças não são todas iguais e podemos sentir-nos pais espectaculares ou pais miseráveis, conforme o filho que temos.
Quem tem apenas um filho – e tem a sorte deste ter um temperamento fácil – sente que faz um trabalho de educação incrível e que é tudo seu mérito. Isso é parcialmente verdade.
O filho fácil (eu sei que é limitador e idiota rotular, mas é para facilitar a coisa) tem interacções positivas que por sua vez provocam mais reacções positivas. Tudo corre bem no melhor dos mundos, pais e filho entendem-se bem e as coisas fluem sem grandes atritos. O amor é fácil.
Ponham outra(s) criança(s) na equação. Muitas vezes os irmãos têm de se destacar pela diferença. Se um é exemplar, esse papel já está ocupado e por isso o irmão tem de escolher outro papel, o do não exemplar. Basicamente o que chega, ou o que já estava, tem de se destacar, fazer-se valer pela diferença – e aparecem uns quantos atritos. Como li no livro da minha mentora Laura Markham: “nunca tinha gritado até ter dois filhos”. Eu tenho uma versão mais hardcore desta ideia e está aqui.
Ter mais do que um filho permite-nos perspectivar e perceber que não, nem tudo é fruto da nossa extraordinária conduta de pais. Há uma (graaande) parte inata, é assim, é deles, como a cor dos olhos ou dos cabelos.
E há filhos que têm um feitio dos diabos. Ou que têm características um bocado particulares, seja no espectro do autismo, da hiperactividade ou de outro tipo de transtornos. São crianças que, percebemos desde o dia 1, ou dia 1000 ou 2000, têm idiossincrasias mais ou menos marcadas.
Se essa criança é filha única, corre-se o risco de acharmos que somos a maior nulidade a educar, que fazemos tudo ao lado, os outros andam ali tão bonitinhos e o nosso nem por isso. Falhamos em toda a linha, só pode, pensamos nós.
Quando temos mais do que um, percebemos que as coisas não são bem assim.
Então e onde está a psicologia positiva no meio disto tudo?
A nossa vida é feita de um acumular de momentos. A nossa vida de pais também. Estamos uns meses ou anos com eles antes de irem para a escola/avós/ama, interagimos de manhã e ao fim da tarde, ao fim de semana, à noite ao deitar, a fazer os trabalhos de casa, a lavar-lhes os dentes ou a controlar o tempo no banho, ao almoço ou ao jantar, ao ensinar a apertar os atilhos ou a limpar o rabo, a empilhar os cubos ou a fazer a adição.
Essas interacções podem ser positivas ou nem por isso. Podemos conseguir controlar o incontornável animal que nos habita, ou podemos deixá-lo à solta e libertar umas raivas de forma mais ou menos regular.
Isto até nem é complicado na maior parte dos casos – a autoridade é imposta, à força ou não, e as crianças crescem. A maior parte das crianças tem uma boa capacidade de encaixe e aceita a autoridade. E claro que nem todas as interacções são negativas e as coisas equilibram-se entre os momentos tensos e os momentos relaxados e bem dispostos. Psicologia positiva para as urtigas, porque as coisas funcionam sem teorias e práticas contra intuitivas.
O problema é quando a criança tem alguma das características atrás referidas.
E em vez de encaixarem bem as ordem/directrizes que lhes damos, fazem resistência, ou não ouvem ou reagem de outra forma qualquer completamente ao lado do que lhes pedimos.
Quanto mais nós queremos corrigir, controlar, manipular o seu comportamento, mais nos afastamos deles, porque isso lhes soa a uma crítica negativa – não és suficientemente bom. Como NINGUÉM gosta de ser controlado, crianças incluídas, há uma reacção de resistência. E com a resistência vem a luta de poder e o medir forças de parte a parte. E perdemos rapidamente a paciência e mais regular é esse libertar do bicho (nosso e deles), menos regulamos as emoções e menos positivas ficam as interacções. E depois é uma bola de neve, porque o cérebro é plástico e se habitua a reagir sempre da mesma forma e salta-nos a tampa (e a deles) num instante. E o stress ganha e impõe-se. E o amor é como o título do livro.
E o que poderia ser apenas uma eventual propensão genética ou temperamento mais áspero pode, com o tempo, evoluir para situações mais complexas e delicadas.
As crianças precisam de adultos cuidadores com quem estabelecem um vínculo fortíssimo. Se esse vínculo é positivo, a criança aprende a reagir positivamente e a adaptar-se bem ao mundo, onde se sente segura. Se a criança tem constantemente interacções que desencadeiam reacções de stress com esses mesmos adultos que a deviam proteger e acalmar, a criança vai crescer de forma desconfiada e reactiva ao mundo, que vê como estranho e assustador.
É por isso que a psicologia positiva nem sempre é uma alternativa – por vezes é a única abordagem possível.
Porque nem sempre o equilíbrio positivo/negativo se faz de forma tranquila, nem sempre as crianças são dóceis ou obedientes ou cedem quando forçamos a corda.
Porque a psicologia positiva parte do pressuposto de que mais importante do que dar directrizes ou ordens correctivas, é preciso salvaguardar a boa relação com a criança.
E quanto melhor for essa mesma relação, quanto mais saudável, alegre, positiva, bem disposta, disponível e feliz for essa relação, mais a criança fará tudo para a manter assim – e por isso vai colaborar mais connosco (e cumprir as directrizes/regras/ordens).
Por isso, se ainda quiserem enviar a psicologia positiva às urtigas só posso comentar – lucky you.
No Mãegazine fala-se de coisas assim, de caminhos virtuosos mas tããããão sinuosos. Educar de forma gentil mas firme é horrivelmente difícil, mas para o registo ficam aqui uma dicas (que se vai tentanto seguir). Se forem úteis, segue por mail Facebook ou Pinterest. Até já!
Um comentário sobre “Quando a psicologia positiva *não* é uma alternativa”