Já aqui escrevi anteriormente a partir de um texto do José Tolentino Mendonça, acerca do plano B da nossa vida (um dos meus posts favoritos, aliás). Poeta e padre, ou vice versa, ele tem uma rara capacidade para escrever sobre questões profundamente humanas e as suas palavras tocam-me em particular (e nem vos digo o quão bem me faz ler os seus livros).
Gosto particularmente dum texto acerca da frugalidade. Podem lê-lo na íntegra aqui.
Começa por dizer o que a frugalidade não é – pobreza ou avareza – antes de avançar para a sua definição de frugalidade, que passo a citar:
O que é então a frugalidade? É a escolha do pouco, de viver com pouco, procurando encontrar aí o máximo sentido.
A abundância é um estado fusional, indiferenciado, sem diques, onde tudo se mistura: o ajustado e o supérfluo; o eleito e o repetido; o original e o banal; a possibilidade de consumo e a promessa de felicidade.
A frugalidade desprende-se, distancia-se, ganha consciência crítica, interroga, e não abdica jamais da sua liberdade. A frugalidade é um estilo.
Há uma frase de Henry David Thoreau* que a ilumina especialmente: “A riqueza de um homem é proporcional não ao número de bens que ele pode possuir, mas ao número de coisas a que ele pode renunciar.”
(Eu não vos disse que ele escrevia muitíssimo bem?)
Sobretudo desde o final da 2ª Guerra Mundial, o apelo ao consumo tem crescido exponencialmente. Percebe-se – foi a forma encontrada para reabilitar a economia de países destroçados pela guerra. Mas o pior é que foi cada vez mais sendo colada a miragem imagem da felicidade ao acto de consumir. Sejam roupas, comida, carros ou qualquer outra coisa.
Sabemos demasiado bem que é bom ir às lojas estoirar uma maior ou menor fortuna em artigos. O mulherio é conhecido por usar as compras de forma terapêutica (atire a primeira pedra quem não teve um ímpeto destes). É fantástico vermos uma coisa bonita a chamar por nós e achamos que nos vai completar. E completa. Durante umas horas, na melhor das hipóteses. Apenas uns escassos minutos, na pior. Depois regressamos ao nosso habitual estado de incompletude (já com menos dinheiro). Estou errada?
Não me interpretem mal – não estou a dizer que ir às compras é mau, ou que o consumo devia ser banido e devíamos viver numa sociedade organizada, de alto a baixo, de uma forma radicalmente diferente! Estou a apontar, sim, o facto de que muitas vezes somos pouco críticos com o consumo que fazemos e, sobretudo, à importância que lhe damos.
Recupero as palavras do Tolentino – frugalidade é a escolha do pouco, de viver com pouco para aí encontrar o máximo sentido.
Pela minha parte vou descobrindo que o máximo sentido não está nas coisas, mas sim nas relações que estabelecemos.
Sim, claro, gosto de usar uma boa carteira e umas botas bonitas, gosto de um anel vistoso e de comer em loiça catita. Mas abdico facilmente disso? Claro. Mas não abdico das minhas amizades cimentadas ao longo de décadas, ou das frases incríveis que os meus filhos dizem e que estou atenta para as ouvir.
As relações pessoais são, mesmo, o que nos preenche e que recordaremos um dia mais tarde. Como li algures, as pessoas recordar-se-ão da forma como as fizeste sentir.
Se a frugalidade é um estilo, este é o meu estilo. Ou pelo menos o estilo que me esforço por ter, na vida do dia-a-dia e aqui, neste espaço online.
Se optamos por menos, esse menos é forçosamente mais significativo – menos livros, mas livros que gostamos mesmo de ler; menos roupa, mas roupa que nos cai mesmo bem; menos chocolate, mas de melhor qualidade. E por aí fora. Tem ainda a enooorme vantagem de que menos tralha coisas equivale a menos limpeza e arrumação 🙂
E vem este manifesto a propósito de quê, nesta Mãegazine? Vem como uma outra espécie de carta de intenções e como alimento para o espírito. De vez em quando é essencial distanciarmo-nos de nós mesmos, para tomarmos consciência das opções que vamos fazendo. Acrescento ainda que a atitude que temos perante as coisas vai influenciar decisivamente as gerações futuras que estamos a criar. Que sociedade queremos ter?
pintura de Cézanne, Natureza morta com maçãs e pêra. Cézanne revolucionou a pintura ocidental com assuntos muito simples, como as naturezas mortas ou uma certa montanha. A especial e aturada dedicação que dava a estes elementos simples reflecte-se na qualidade da sua pintura.
*Henry David Thoreau tem livros mesmo muito interessantes, entre os quais destaco o Walden ou a Vida nos Bosques
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